Será que isso que a gente chama de amor se passa sempre fatalmente em
dois níveis? O da fantasia, da emoção real, poética - e o da realidade
que descamba para a agressividade, para a dureza? Por que, na
segunda-feira, eles (nós) não revelam a carência do fim de semana e se
dizem coisas duras? Realmente, por que, afinal? Não seria mais fácil se a
verdade pudesse fluir? Um pouco mais além: mas será que a verdade
poderia mesmo fluir? Será que verdade e fluência não se opõem,
contrapõem? […] O amor existe mesmo? Ou só existe o permanecer de braços
abertos, como no sonho, pronto(a) a receber alguém que nem sequer chega
a tomar forma? E quando alguém, no plano real, toma forma, a gente
imediatamente projeta toda aquela emoção presa na garganta do sonho. E
fatalmente se fode, porque está tentando adequar/ajustar um arquétipo,
uma imagem de toda a nossa infinita carência, nossa assustadora sede, a
uma realidadezinha infinitamente inferior.
— Caio Fernando Abreu
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